Ultimamente tenho discutido com alguns amigos a relevância do Super-Homem enquanto personagem. Divergimos nas opiniões mas isso só torna a conversa mais rica. As discussões são excelentes rodas dentadas que acrescentamos às nossas cabeças. Ajudam e ampliam o pensamento.
No caso o Super-Homem é para mim um personagem muito querido para os meus parceiros de diálogo nem tanto. Os meus amigos dizem que ele é um personagem desinteressante por ser extremamente poderoso e um bom escuteiro. Por oposição por exemplo, com o Batman por exemplo um absoluto humano com uma forte convicção a nortear o seu destino: justiça/vingança.
Isso fez-me refletir sobre o porquê de gostar tanto do Clark e de o achar um personagem tão rico como qualquer ser humano trajado para combater o crime e recheado de fraquezas, algo que tão bem é explorado em watchmen.
O Super-Homem é um extraterrestre o ultimo do seu povo. Apesar de igual a nós em aparência nunca será um de nós. Isso remete para a inexplicável sensação de solidão que temos dentro nós que nos leva a ser gregários. O país, o clube, a família, os amigos, o matrimonio, a religião, tudo serve para pertencermos a algo mais do que nós mesmos. Claro, nas nossas vidas precisamos de pertença e também de solidão. Para a pertença o Super-Homem tem o seu alter ego Clark Kent que vive na maior cidade do mundo Metropolis (alguém pode pertencer mais a uma sociedade moderna), ama a destemida e frágil humana Lois Lane.
Para a solidão Super-Homem tem a sua própria Fortaleza da Solidão no Polo Norte. Para o conforto da intimidade tem em Smallville o seu lar. Engraçado quão humano é tudo isto.
O heróis de banda desenhada carregam uma responsabilidade extra não são heróis simplesmente, são Super-heróis em virtude dos seus poderes. O que os coloca imediatamente além de todos nós. No caso do Super-Homem parte das ideias de Nietzsche vieram encontrar o hospedeiro perfeito.
O Super-Homem parece fazer sempre tudo bem. Ironicamente o Super-Homem não é um Homem. Vive no entanto sobre os fortes valores da humanidade que o casal Kent lhe passou e consegue fazer praticamente tudo o que quer o que o faz parecer que não errar, não ter medo de nada. Mas também erra e tem os seu pecados e medos ou não mercearia a designação de Homem no nome. Não será ele apenas mais um de nós?
Estou agora a ler uma história muito interessante escrita por Brian Azzarello (100 bullets) e magistralmente ilustrada por Jim Lee: “Pelo amanhã”. No contexto da história Lois Lane o amor da sua vida desapareceu há um ano num evento estranho que fez desaparecer 1 milhão de pessoas do planeta. Na história o Super-Homem começa a ter encontros com um padre para se confessar e assim ajudar a lidar com o luto. Quando o estranho desaparecimento se deu o Super-Homem estava longe da terra. O Super-Homem confessa então: o seu pecado foi querer salvar o mundo. E consequentemente por causa disso, por querer responder a todos os apelos, não estava presente para proteger quem mais amava.
A história é cheia de pequenos detalhes e referências bíblicas. O Padre ironicamente “atira então a primeira pedra” e responde-lhe sobre o seu pecado: “Melhores homens já tentaram e falharam.”
Mais tarde, o Super-Homem conta-lhe que foi tentar terminar uma guerra em África. Destruiu todas as armas pensado que com isto a guerra terminaria mas que os homens arranjaram nova forma de lutar. Começaram então a guerrear com pedras. Em resposta o padre diz lamentar. O Super-Homem pergunta: “o quê?”
Padre: “Não sei, talvez que se sinta assim.”
O Super-Homem responde sorrindo: “Não se responsabilize pela humanidade. Homens melhores já… desculpe”
Um engraçado exercício teológico. Um membro clero que diz que a salvação não depende só de um homem quando a igreja católica assenta em cima disso mesmo e um ser omnipotente que diz que o padre (ou a igreja) não se deve tentar responsabilizar pelos pecados do Homem.
Chegamos finalmente onde quero chegar. O Super-Homem é irrealisticamente perfeito. Moralmente irrepreensível. Bom, por alguma coisa é o Super-Homem. Também perde, também sofre mas mantém os valores como o seu norte. Porque é fácil ser boa pessoa quando está tudo bem. Difícil é ser quando nem tudo está bem.
Por isso, quando queremos um modelo para as nossas vidas, comparar-nos a nós mesmos com alguém que seja menos do que o Super-Super-Homem é já uma derrota.
“Apesar de homens melhores já o terem tentado e falhado.” não podemos nós também deixar de o fazer.