*Este texto contém revelações sobre o enredo/SPOILERS sobre Avengers EndGame e Game of Thrones*
O título é enganador. Arya Stark (personagem da franquia/série de TV-HBO Game of Thrones) existe em uma determinada dimensão, Thanos no Marvel Cinematic Universe (MCU) e nós em outra.
Igualmente enganadora é a ideia que o poder de os dois personagens poderia ser comparado. Arya é um ser humano normal que ascende á categoria de “ninja” assassina na série de TV depois de superar inúmeros traumas e a destruição quase total da sua família e terra natal. Thanos só é comparável aos semi deuses gregos e por breves momentos ascende a poder supremo do universo no MCU. As suas origens incluem rejeição recíproca pelo seu próprio povo e família.
São ambos os personagens do momento devido ao papel ambíguo que desempenham no enredo das suas respetivas franquias.
O personagem Thanos, originalmente concebido na Marvel Comics, foi adaptado ao cinema com um sucesso retumbante. E embora nada possa apagar a luz que é o filme triunfal Avengers EndGame (a partir deste momento e para sempre o maior filme de super-heróis alguma vez concebido) a verdade é que a adaptação cinemática mudou as motivações do Thanos enquanto super-vilão.
A adaptação televisiva de Arya Stark manteve as motivações do personagem quase intactas em um grau mais ou menos essencial. Não há diferenças significativas entre a Arya da série e dos livros de George RR Martin.
Este genocida e esta assassina profissional são sucessos mundiais, aclamados pela crítica e pelas massas, em detrimento dos heróis. Não que os heróis não sejam aclamados. Mas Arya e Thanos tornaram-se maiores do que a vida, são pop-stars. Não irão desaparecer tão cedo. Os seus nomes vão confundir-se com a franquia em si.
Mas enquanto que Thanos, pese a sua visão radical política sobre a resolução de problemas, continue essencialmente um vilão, Arya é aclamada como a nova heroína da série.
Os antagonistas de Thanos são os heróis, aqueles que lutam pelas forças do “bem”. Os antagonistas de Arya são as personagens que habitam a sua realidade feudal e disputam a influência que a sua família e o seu status representa. O que vai mudando na evolução de Arya são os seus métodos, justificados por traumas horripilantes.
Tal como no livro “O Conde de Montecristo” (Alexandre Dumas) – em que uma sucessão de traumas e vilanias cometidas contra Édmond Dantés o transforma em um justiceiro por conta própria – Arya torna-se numa assassina profissional para poder sobreviver, empoderar-se e tornar-se dona do seu destino. A sua evolução é de completamente inocente a completamente implacável. O primeiro passo é a obstinada vingança contra os que destruíram a sua família.
Pouco se pode apontar no que diz respeito á caracterização original de Thanos (BD).
Ele tem de tudo um pouco: ego, loucura, paixão, demência, complexo de superioridade, complexo de Édipo, pulsão de vida, pulsão de morte. É O Vilão. Mantém um pequeno conflito interior que lhe dá toda a humanidade que cada um de nós possui, tornando-se uma figura extremamente relacionável enquanto personagem.
Arya não tem conflito nenhum. Tem sede de vingança, adquiriu novos métodos, perdeu a inocência e é extremamente habilidosa e focada.
Com um olhar superficial podemos concluir que não é justo Thanos continuar um vilão aos olhos do público e Arya manter-se como uma heroína de métodos ortodoxos cujo passado justifica toda e qualquer ação hedionda que ela possa cometer nesta vida ou a próxima.
A conclusão deste vosso humilde escriba é:
Por muito genocida que Arya Stark se venha a tornar (não há nenhuma indicação nesse sentido) mantém-se ligada ao que resta da sua família; ou seja mantém-se ligada aos ideiais e valores da família enquanto unidade indivisa: nós contra eles.
O seu desejo final é re-ocupar o lugar físico e emocional que é seu direito, enquanto criança nascida em família aristocrata destacada. A verdadeira Arya, por baixo das camadas de vilania é um ser humano que sabe onde está o seu centro de gravidade: a sua pertença á família, aos irmãos, á sua casa/terra, aos que ama e que a amam. Nunca será um vilão, porque tudo o que faz tem um objetivo de restaurar a justiça, vingar os crimes cometidos por outros contra a sua família.
E os outros, que ela deseja castigar, também não são vilões, são pessoas como ela que combatem pelas respetivas famílias em um ambiente feudal de disputa de sucessão.
Todos desconfiam de todos, o esquema de Game of Thrones não permite amizades na conquista do poder. As alianças são situacionais, frágeis e de curta duração.
Thanos não. O titã é um homem obstinado, incapaz de conceber a ideia de estar de que ele possa estar errado. Tudo o que faz é justificado pela narrativa que constrói sobre si mesmo e sobre como o mundo devia ser. O seu amor é por si, pelo seu niilismo, pelo seu apego e admiração á morte (Lady Death, a personificação da Morte). O filme explora uma obsessão de Thanos pelo equilíbrio populacional e de recursos do universo que não pode convencer leitores mais antigos. Thanos é um “homem” cerebral que sucumbe a paixões. Há pelo menos 25 anos que vejo caracterizações de Thanos no MCU que não podem ser apagadas por este momento ou pelas escolhas do arco do personagem no filme EndGame.
CONCLUSÃO:
Arya Stark, Tony Soprano, Don Corleone são celebrados como heróis porque as suas motivações permanecem ligadas á família. Os laços que os unem a um todo, transformam as vilanias individuais em detalhes de uma caminhada conjunta. E tal como Raskalnikov, Fausto e Heitor, são ou serão “salvos” pelo Amor.
Thanos não tem salvação. A única maneira de se cultivar uma memória positiva da vida de Thanos é só se ela for feita por candidatos a “bom tirano” com culto de superioridade e ausência de empatia, solidariedade e sensibilidade.
A longo prazo a resposta á pergunta de Arya vs Thanos é:
Arya tem um preço, Thanos não.